O GLOBO – 17/04/2020

FILIPE BARINI 

A virulência deTrump levou alguns veículos de imprensa a pararem demostrar a parte finaldo briefing.

Em uma tarde de 27 de fevereiro, quando os EUA registravam 60 casos da Covid-19, Donald Trump despejava confiança na hipótese de o vírus que já deixava milhares de mortos ao redor do mundo não passar de um susto. No dia seguinte, repetiria a ideia em um comício na Carolina do Sul.

— Meus amigos, temos os melhores profissionais do mundo, os melhores do mundo. Estamos prontos — afirmou a uma multidão.

Quase dois meses depois, os EUA e o mundo são um lugar bem diferente. Os comícios estão no passado. O número de infectados superou os 2 milhões, sendo que quase um terço dentro das fronteiras americanas —650 mil. Medidas de isolamento atingem quase toda a população do país, e hospitais em regiões como Nova York e Nova Jersey estão perto do colapso: 140 mil morreram em dezenas de países.

Até o presidente americano precisou mudar. O desdém inical à doença deu lugar a uma busca frenética por equipamentos, como respiradores, recomendações de distanciamento social, medidas de apoio à economia e números, muitos números. Por outro lado, Trump conseguiu adaptar à nova realidade um dos espaços onde ele se sente mais confortável: o palanque.

Sem os grandes eventos da campanha à reeleição, o presidente passou a ver os briefings diários como oportunidade para exaltar o governo, suas ações contra a pandemia, distribuir informações questionáveis, atacar a imprensa e, claro, fazer elogios a si mesmo.

— Eu daria um 10 — afirmou, no dia 16 de março, ao ser questionado sobre qual nota daria às suas ações contra o coronavírus. — Eu daria essa nota a nós mesmos e aos profissionais (de saúde).

Trump tenta a todo custo mencionara situação em que estava a economia antes das primeiras medidas de distanciamento social, assim como prometer que tudo ficará bem.

— É péssimo porque jamais tivemos uma economia tão bem como há algumas semanas. Mas estaremos de volta, eu acho que vamos voltar mais fortes do que nunca, porque aprendemos muito neste período —disse em 19 de março.

‘LINDO DIA’

O formato segue alguns padrões, a começar pelo tempo, que chegou a quase duas horas e meia no fim de março. Uma duração parecida com as dos eventos de campanha.

Trump sempre tem a primeira palavra, em tom solene, quando fala sobre os assuntos mais urgentes: o aumento ou queda nas notificações, medidas que tenha tomado recentemente ou até o anúncio de uma nova estratégia contra as drogas na América Latina, como fez em 3 de abril.

Seja na sala de imprensa ou no Rose Garden, ao ar livre (“Lindo dia no Rose Garden, grande distância entre as cadeiras, distanciamento social. Vocês jornalistas fazem isso muito bem”), o presidente nunca está sozinho: as figuras maisfre quentes são o principal infectologista d aforça-tarefada CasaBran capara aC ov id -19, AnthonyFa uci, sempre ameaçado de demissão; o vice Mike Pence; e a médica e diplomata Deborah Birx, coordenadora da força-tarefa. A eles cabem as partes mais técnicas: números, gráficos e até algumas opiniões divergentes.

Feitos os comentários, começa apar temais tensa elonga: as perguntas da imprensa, quando algumas das frases mais emblemáticas foram ditas, assim como os embates verbais, a principal marca da relação com os jornalistas neste mandato. E até nisso os briefings se assemelham à campanha: nos eventos, os gritos de “mídia mentirosa!” são quase um mantra.

No dia 13 de abril, Paula Reid, da CBS, perguntou o que ele havia feito para preparar os hospitais. A resposta não foi muito presidencial.

—Você é uma vergonha! É tão vergonhosa a maneira como você disse isso!

A virulência deTrump levou alguns veículos de imprensa a pararem demostrar a parte finaldo briefing. Quando a transmissão se torna inevitável, há outras ferramentas, como os créditos na tela.