O GLOBO – 15/09/2018

EMILIANO URBIM E LUIZA BARROS

VÍDEOS em velocidade acelerada, livros escritos como séries de TV, músicas que cabem no Instagram. Como a indústria está lidando com nosso ritmo frenético de consumir cultura?


Você acha que o mundo está acelerado? Ronaldo Lemos teve certeza no começo deste ano, quando foi professor em Princeton, nos EUA. Comentarista de tecnologia da Globonews e pesquisador do MIT Media Lab, o advogado descobriu que sua turma, de alunos entre 19 e 25 anos, só assistia a séries e filmes no dobro da velocidade normal. Com podcasts e audiobooks, a pressa ia além: ritmo três vezes maior do que o original. — Todo mundo para quem dei aula nos Estados Unidos faz isso, para ver mais coisas em menos tempo. Éon ovo normal —diz Lemos, 42 anos. —Ageração analógica acha absurdo, mas é uma evolução. Os jovens de hoje estão desenvolvendo uma nova relação com objetos culturais. De olho neles, a indústria corre atrás. Na música, artistas já formatam canções para caber no Stories do Instagram. Um dos sucessos da temporada, o álbum “Whack World”, da rapper americana Tierra Whack, tem 15 faixas de um minuto cada. Enquanto isso, as editoras estruturam livros como séries de TV. E o audiovisual então… Segundo o site IMDB,queéa maior base dedados sob refilmes e séries, a média dos seriados caiu de 22 para 12 episódios anuais desde 2003. Alógica de aceleração já vai bem além do botão defastforward: antes da nova temporada de “The Walking Dead”, a Fox exibiu uma maratona de episódios antigos com 30% de aceleração. Um alento para quem reclama do ritmo lerdo da série, bem à moda dos zumbis da trama.

— O público nem percebe, exceto em trechos com música ou ação rápida —diz Cristiano Lima, diretor de programação da Fox no Brasil.

‘SE TEM ENCHEÇÃO, PULO’

A estudante de Biomedicina Eduarda Prado, 20 anos, apressa o passo das séries. Fã de “Supernatural” e “Bones”, ela pula episódios inteiros ao perceber que a narrativa principal não avança muito.

— Se tem encheção de linguiça, pulo — diz, contando que também dispensa “enrolação melosa de casalzinho”. Uma pesquisa da Faculdade de Medicina de Harvard mostra que, para alguns, a sala de cinema já está virando sala de tortura: cada vez mais americanos sentem desconforto em dedicar duas horas a um filme. O estudo ecoa nos jovens entrevistados: todos usaram a palavra “ansiedade” ao descrever por que consomem mídia de forma corrida. —De algumas gerações para cá, há uma tendência ao superestímulo — diz a psicóloga e escritora Cinthya Verri, especializada em adolescentes. — Começou como distração, fone de ouvidos para estudar. Hoje, queremos a fantasia do “Matrix”, fazer um download imediato de conhecimento. O YouTube, que permite visualizar vídeos até duas vezes mais rápido do que o normal, atrai quem quer ir direto ao ponto. Diretor de Conteúdo da plataforma Final Level, de vídeos sobre games, Gustavo Serra alerta: os primeiros sete segundos são fundamentais. —Para reter a atenção, temos a história geral do vídeo e várias mininarrativas. Se o conteúdo não for muito interessante, é enorme a chance de o cara pular para o que lhe interessa. Ou pular fora. Chamada pelo pai de “dedinho nervoso” pela agilidade ao celular, a estudante Letícia Albuquerque é uma dessas usuárias impacientes. —Até em música, se há uma parte de que não gosto, adianto. Os únicos vídeos que tenho paciência para ver são os de ASMR — conta ela, citando a técnica para induzir ao sono.

LIVRO EM EPISÓDIOS

Se em vídeos e áudios um botão acelera tudo, como eles fazem com os livros? O estudante de Comunicação Filipe Pavão, 20 anos, diz ser adepto da “leitura otimizada”. Pula trechos se o autor tergiversa. —Nãoé preguiça. Agente quer ler até demais, aí precisa otimizar. Há pessoas mais velhasquele em só o primeiro parágrafo ou compartilham links sem nem abrir.

Acha radical? Tem mais. A editora americana Serial Box resolveu tratar livro como tela: chama roteiristas, que criam cada obra como a temporada de uma série e reproduzem nos capítulos a estrutura de um episódio de TV. Para completar, entrega o livro em partes, que chegam via app e só depois são reunidos em papel. O slogan é “HBO para ler”. —Dado o sucesso recente da TV com narrativas longas, resolvemosapostar nessa—diz a CEO Molly Barton. Professora de Comunicação da Universidade Federal Fluminense, Larissa Morais investiga como jovens consomem notícias. E alerta: a ânsia de se atualizar muitas vezes impede o aprofundamento. —Mas todos nós já aceleramos. A diferença é que os jovens fazem isso sem culpa.