FOLHA DE S.PAULO – 26/03/2019

Alexandre Schneider e Fernanda Campagnucci

A recente iniciativa do governo federal em alterar a Lei de Acesso à Informação (LAI), que permitiria a ampliação da capacidade de ocultação de dados públicos –felizmente cancelada–, abre debate relevante sobre a importância de políticas de governo aberto no combate à corrupção, fortalecimento da democracia e maior eficiência dos governos.

Nos últimos seis anos, a LAI trouxe avanços importantes às instituições públicas. O governo federal, estados e municípios estabeleceram o diálogo com a população, que hoje pode solicitar acesso a documentos e informações e tem meios de cobrar prazo e responsáveis. Ampliaram-se a possibilidade de controle social e a qualidade do jornalismo investigativo, agora com acesso a dados antes disponíveis de acordo com o juízo do gestor público de plantão.

É necessário avançar além dos mecanismos de fiscalização do Estado, adotando o paradigma de governo aberto, em que o padrão da gestão de informações governamentais é o de abrir os dados ao público em um formato legível por computadores.

Políticas de governo aberto permitem uma mudança na forma de interação entre sociedade e Estado. Substituem a mera cobrança ou a desconfiança entre as partes por um compromisso mútuo de desenho e implementação de políticas com base em evidências.

Não por acaso, a lei sancionada em janeiro pelo governo dos EUA que torna padrão a política de governo aberto naquele país tem o nome de Fundamentos para Políticas Públicas Baseadas em Evidências. Países como França e Alemanha já adotam políticas afins.

No Brasil também há experiências exitosas, como a do “Pátio Digital”, experiência de governo aberto e transformação digital reconhecida internacionalmente como boa prática de inovação pública.

Criada em 2017 pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, em menos de dois anos promoveu a abertura de dados educacionais sem precedentes, criou uma comunidade de quase mil técnicos, pesquisadores e ativistas e construiu ferramentas abertas para uso em uma rede de um milhão de alunos.

Foram resultados desse processo soluções como uma plataforma para a implementação do currículo da cidade pelos professores e uma ferramenta para divulgar os cardápios da merenda escolar e permitir seu acompanhamento e fiscalização nas redes sociais pelos estudantes e suas famílias. No modo de funcionamento “tradicional”‘, essas inovações demorariam muito mais ou talvez nem sequer saíssem do papel.

Construídas com códigos abertos, seguindo tendência global nos setores público e privado, essas e outras soluções são passíveis de replicação por outros órgãos públicos, que podem melhorar as ferramentas originais e contribuir para esse ciclo virtuoso.

O paradigma de governo aberto é uma aposta promissora para resgatar a confiança na democracia. Permite aos governos reconhecer que não são capazes de resolver, sozinhos, os complexos problemas da atualidade.

Mais transparência, e não mais sigilo, é a receita para a criação de laços de confiança entre os governos e a população, políticas públicas inovadoras e governos mais eficientes.
Alexandre Schneider

Ex-secretário municipal de Educação de SP (2006-2012, governo Kassab; 2017-2019, Doria e Covas); consultor em educação e pesquisador do Cepesp/FGV
Fernanda Campagnucci

Gestora pública e doutoranda em administração pública e governo pela Fundação Getulio Vargas