O GLOBO – 02/04/2020

CORA RÓNAI

Não é de hoje que a imprensa apanha no Brasil. Lula a elegeu como inimiga preferencial, hostilizou jornalistas e acha que o grande erro que cometeu durante os seus mandatos foi não “regular os meios de comunicação”, um eufemismo para censurar a mídia. Seus blogueiros “progressistas” e sua militância raivosa cuidavam de desmoralizar qualquer colunista ou órgão de imprensa que ousasse se manifestar contra os poderosos da ocasião e os atos do governo. A grande imprensa virou “mídia golpista”: repórteres eram hostilizados em manifestações e agredidos nas ruas e nas redes sociais.


Quando Dilma assumiu, as tropas já estavam suficientemente bem treinadas para que ela não precisasse dizer que sentia azia ao ler os jornais, como fazia o padrinho. Blogueiros e militância continuaram ativos, e qualquer dissonância era triturada na azeitada engrenagem petista de destruição de reputações.

Tudo isso é passado e já não viria ao caso, se o passado não ajudasse a explicar o presente.

O fato é que Bolsonaro pegou um terreno muito bem preparado. Sua ojeriza à imprensa dá continuidade a um processo de desmoralização que fere a própria essência da democracia. Mas ele elevou a implicância de Lula ao estado da arte. Como não tem superego, não se envergonha de se portar como um moleque: dá bananas, xinga sem constrangimento e aponta jornalistas como alvo para os seus seguidores, para quem a “mídia golpista” virou “extrema imprensa”.

É difícil sobreviver debaixo de tal barragem de insultos. É difícil remar contra a corrente, difícil não se auto-censurar diante da perspectiva de mais e mais agressões, por tantos e tantos anos. É difícil trabalhar sob esse ataque cotidiano —e muito tentador desistir.

Para sorte do país, porém, a imprensa resiste.

Não quero nem imaginar o que seria de nós se tivéssemos o jornalismo chapa branca e amestrado com que os presidentes populistas sonham. A ficha de Bolsonaro só caiu na terçafeira, se é que caiu: o seu pronunciamento conciliador, em que a “gripezinha” foi finalmente reconhecida como “o maior desafio da nossa geração”, veio tarde demais. Como dizem os angloparlantes, too little, too late.

A essa altura, sem o reforço dos noticiários à posição do ministro Mandetta e dos governadores, nós estaríamos num caldeirão do inferno. Num país livre e indisciplinado como o Brasil, uma quarentena eficiente como a que estamos vendo não se faz só com decretos, mas também, e sobretudo, com a conscientização que brota da informação.

Graças à imprensa, ficamos devidamente apavorados com o coronavírus. E ainda bem. Notícias alarmantes devem ser divulgadas sem meias palavras. Há coisas que não queremos ouvir, não gostamos de ouvir, mas que precisam ser ouvidas mesmo assim.

Agradeço todos os dias aos jornalistas que estão lá, na frente de batalha, trazendo notícias. Minha filha faz parte dessa turma essencial, e tenho um imenso orgulho do seu trabalho.

Obrigada, Bia. Obrigada, colegas. Agradeço também ao ministro Luiz Henrique Mandetta, um homem inteligente, bem situado e de heróica paciência. Não sei o que está fazendo nesse governo, mas muito obrigada por estar (e continuar) a bordo.

É difícil trabalhar sob esse ataque cotidiano —e muito tentador desistir. Para sorte do país, porém, a imprensa resiste