FOLHA DE S.PAULO – 13/08/2020

Gustavo Queiroz

AGÊNCIA LUPA
Na América Latina, 20% da desinformação que circula sobre o novo coronavírus está em formato audiovisual. Os vídeos se espalham em redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram, em plataformas específicas, como o YouTube e TikTok, e em aplicativos de mensagens, como WhatsApp.

De janeiro a julho deste ano, checadores de fatos de 11 países latinos desmentiram 272 conteúdos nesse formato. O Brasil é o campeão: plataformas daqui esclareceram informações sobre vídeos 110 vezes.

A proporção dos vídeos sobre o total de conteúdos verificados é maior na América Latina do que na Europa, por exemplo, onde os conteúdos audiovisuais usados para desinformar equivalem a 16% do total.

Mercado na Indonésia é falsamente identificado como sendo em Wuhan, na China
Mercado na Indonésia é falsamente identificado como sendo em Wuhan, na China – Reprodução
A falsa informação em vídeo vai desde gravações inteiras ou parte delas retiradas de contexto até filmagens que criam falsas narrativas sobre a pandemia, passando por depoimentos de supostos especialistas, que apresentam curas, prevenções e tratamentos fantasiosos para a Covid-19.

Um dos primeiros vídeos falsos a circular no Brasil foi publicado ainda em janeiro. Segundo a legenda, as cenas tinham sido filmadas em um mercado de animais supostamente localizado em Wuhan, cidade chinesa onde o vírus foi identificado pela primeira vez.

Contudo, a gravação mostrava, na verdade, uma feira na Indonésia. O mesmo vídeo circulou também na Colômbia, na Índia e nas Filipinas. Em fevereiro, outra filmagem de um mercado indonésio viralizou no Brasil como se fosse na China.

Outro vídeo retirado de contexto em diferentes países mostrava uma manifestação de profissionais de saúde na Bélgica. Em cada lugar, as imagens ganharam uma legenda.

No Brasil, produtores de desinformação disseram que se tratava de um protesto contra o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB). Na Argentina, o alvo era o presidente Alberto Fernández, e na Espanha, o ministro da Saúde, Salvador Illa. Na Itália, o vídeo circulou como se os profissionais protestassem “contra a farsa da Covid-19” – o que não era verdadeiro.

No Brasil, ao menos oito publicações usaram vídeos de operações policiais antigas, ou realizadas em outros países, como se fossem ordens executadas para penalizar pessoas que descumpriam o isolamento social. Esse tipo de desinformação também circulou na Bolívia, no México e na Argentina.

Vídeos de hospitais se tornaram uma constante em termos de desinformação sobre Covid-19. Em vários países, negacionistas filmaram áreas hospitalares vazias, como recepções de unidades abertas somente para receber pacientes encaminhados de outras instituições médicas, para “provar” que não havia pacientes internados no local.

Nos Estados Unidos, a hashtag #FilmYourHospital foi usada para incentivar essa prática, e há registro de gravações do tipo na França e na Dinamarca. No Brasil, essa “moda” também pegou, incentivada, inclusive, pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Pelo menos seis vídeos desse tipo circularam no país.

Imagens deliberadamente editadas também foram usadas para falsificar a narrativa de que as unidades de saúde não tinham pacientes com Covid-19.

Um caso desse tipo aconteceu no Brasil: um grupo de deputados filmou uma visita ao hospital de campanha do Anhembi, em São Paulo. Em determinado momento da gravação, eles passam por uma parte do hospital que estava, de fato, vazia, mas preparada para receber pacientes caso a demanda aumentasse.

Esse trecho foi selecionado e passou a circular em redes sociais, no que seria uma prova de que todo o complexo estava vazio – quando, na verdade, 407 pacientes eram atendidos no local na mesma data.

Outro formato comum de desinformação em vídeo na América Latina são depoimentos de supostas autoridades em Covid-19. Nessas imagens, uma pessoa, muitas vezes identificada como profissional de saúde, conversa diretamente com a câmera e relata informações falsas sobre a doença, incluindo formas de tratamento sem comprovação científica ou estatísticas falsas.

No início da pandemia, por exemplo, um vídeo gravado por um “químico autodidata” viralizou em grupos brasileiros no WhatsApp. Ele recomendava higienizar as mãos com vinagre, ao invés de álcool gel, o que, obviamente, não é recomendado por autoridades médicas.

Depoimentos de supostos especialistas foram usados para validar tratamentos sem nenhuma evidência de eficácia em outros países da América Latina. No Peru, foi recomendada pasta de dente. Na Colômbia, água alcalina. Já na Argentina, a sugestão do “especialista” foi a inalação de vapor de água.

Não é só a quantidade de vídeos desinformativos que preocupa. O impacto deles também é considerável.

Um estudo publicado em abril na revista BMJ Global Health, conduzido por duas universidades de Ottawa, no Canadá, mostrou que 27% dos vídeos em inglês mais assistidos no YouTube sobre Covid-19 apresentavam informações incorretas sobre a doença.

Outra pesquisa, realizada no Brasil por pesquisadores da USP, da UFBA e do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT), verificou que canais no YouTube nos quais falsas informações circulam são três vezes mais assistidos que os demais.

“A desinformação no campo da saúde pode provocar efeitos nefastos, interferindo diretamente com políticas de saúde pública”, diz o relatório da pesquisa.

“No caso da Covid-19, o dano torna-se ainda maior dado que ainda não temos medidas farmacológicas que sejam capazes de tratar a doença.”

Esta coluna foi escrita pela Agência Lupa a partir das bases de dados públicas mantidas pelos projetos CoronaVerificado e LatamChequea Coronavírus, que têm apoio do Google News Initiative, e pela CoronaVirusFacts Alliance, que reúne 88 organizações de checagem em todo mundo. A produção das análises tem o apoio do Instituto Serrapilheira e da Unesco. Veja outras verificações e conheça os parceiros em coronaverificado.news