O GLOBO – 05/11/2018

PAULA FERREIRA E RENATO GRANDELLE
Prova, feita ontem por mais de 4 milhões de estudantes em todo o país, teve “manipulação do comportamento do usuário” da internet como tema da redação. Ditadura militar, racismo e questões de gênero estiveram entre os assuntos do exame, que registrou a menor abstenção desde 2009.

Mais de quatro milhões de pessoas tiveram que escrever ontem sobre a “manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet”. A proposta, tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), foi interpretada por alguns candidatos como tendo “viés político”.

Para a estudante Thais Marques, 19 anos, de Manaus, “a internet não controla ninguém”:

— Cada um tem seu pensamento — afirma a candidata, que pretende cursar Farmácia. — Nessas eleições, muito se falou em fake news e da possível influência das notícias falsas no resultado. Eu penso que não foi bem assim.

O professor do Colégio e Curso Bionatus Raphael Torres nega que o cenário político tenha influenciado a escolha do tema da redação:

— Os alunos deveriam fazer um texto sobre manipulação e controle de dados. Poderiam falar a partir de viés político, mas também tinham a opção de escrever sobre consumo, comportamento —diz ele. — Devido à proporção do Enem e a logística necessária para realizá-lo, a prova já estava confeccionada há meses, não foi influenciada pelos rumos da campanha presidencial.

Em um encontro ontem com o presidente Michel Temer, o ministro da Educação, Rossieli Soares, destacou que o tema é “muito atual” e foi definido em “junho, julho” pelos técnicos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

— Não foi uma escolha de agora. Temos cerca de três textos pequenos de apoio para a redação. Mas o tema é extremamente atual e relevante para os estudantes que estão informados sobre a discussão de fake news. Ele de debate o papel da internet na informação.

A prova usou como apoio um artigo do “El País” sobre serviços de streaming e como a seleção do que é sugerido ao usuário é influenciada de acordo com as preferências culturais de quem usa a plataforma. Outro texto, “A silenciosa ditadura do algoritmo”, falava sobre o direcionamento das notícias que os usuários leem ou não.

Um gráfico com dados do IBGE trazia ainda as características de uso da internet pelos brasileiros, com recortes de gênero, faixa etária e tipo de funções das redes — como mensagens, vídeos, e-mails, etc. Por fim, havia um artigo chamado “Como a internet influencia secretamente nossas escolhas”, da BBC, que abordava como as opções das pessoas podem ser reflexo de provocações da rede.

POLÊMICA DESDE TRUMP

Coordenador de redação do Colégio de A aZ, Rafael Pinna explica que o assunto tem estado cada vez mais na pauta desde 2016, a partir da eleição de Donald Trump nos EUA, com o direcionamento de informação a partir da manipulação de dados de usuários do Facebook, obtidos pela empresa Cambridge Analytica.

—Esse foi um assunto muito discutido desde a eleição deTrump, enase leiçõesdes teano no Brasil acabou sendo alvo de muito debate.

Carolina Achutti, professora de redação do Descomplica, ressalta que o tema foge da regra das últimas edições do Enem, que priorizaram um recorte social e de minorias. Neste ano, segundo ela, foi uma abordagem global:

— É importante falar de marketing dirigido. Você tem uma bolha na internet, nós alimentamos um perfil nas redes sociais e elas nos devolvem tudo aquilo que é compatível com esse perfil.

Diretor da Safernet, ONG que atua na defesa dos direitos humanos na internet, Thiago Tavares considerou o assunto oportuno:

—O tema é atualíssimo, relevante e oportuno, pois estimula os jovens a elaborar um pensamento crítico sobre os impactos da coleta massiva de dados pessoais sobre nossas interações nas redes sociais e em aplicativos como oWhatsAppe seus diferentes reflexos na economia, na política ena vida privada.

Também ontem, os candidatos resolveram questões de Ciências Humanas e Linguagens. Apesar dos temores em relação ao horário de verão, a prova não registrou maiores problemas e teve a menor abstenção desde 2009( lei amais na página seguinte).