FOLHA DE S.PAULO – 05/10/2018

Marcelo Coelho

Caberá ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, decidir quando leva ao plenário da Corte a decisão sobre a censura imposta à Folha no caso da entrevista com Lula.

Como se sabe, o jornal tinha solicitado à Polícia Federal autorização para visitar o ex-presidente na prisão, caso Lula quisesse dar uma entrevista. Óbvio que ele quer.

Nenhuma cadeia é lugar em que um repórter possa entrar quando lhe dá na telha. Ainda mais se acompanhado de equipe técnica e equipamentos como câmeras, gravadores e máquinas fotográficas.
Era necessária uma autorização. A juíza da 12ª. Vara Federal de Curitiba negou-a.

A Folha apelou ao Supremo, com base no princípio constitucional da liberdade de imprensa. O processo caiu com o ministro Ricardo Lewandowski, que permitiu a realização da entrevista.

Entra em cena o Partido Novo. Seus representantes recorreram ao presidente do STF, Dias Toffoli, com um pedido de “suspensão de liminar” contra a decisão de Lewandowski.

Do ponto de vista formal, surge uma primeira questão. Pode-se chamar de “liminar” (ou seja, de uma medida temporária, com caráter de urgência) a decisão de Lewandowski?

Ele diz que não. Repete que tratou do mérito, do conteúdo, da reclamação feita pela Folha. E que já decidiu plenamente no sentido de que o jornal, pela Constituição, tem o direito de fazer uma entrevista com Lula e publicá-la.

Mas o caso vai muito além desse aspecto formal. A questão é de censura.

Dizendo-se “liberal”, o Partido Novo argumenta que não é contra a liberdade de imprensa. Aceita até mesmo que pessoas presas sejam entrevistadas –isso já aconteceu muitas vezes. A entrevista com Lula poderia ser feita… Só que não agora, às vésperas da eleição.

Publicar declarações de Lula, diz a agremiação de João Amoêdo, prejudicará “a ordem jurídica”, na medida em que “desfavorece a autonomia” de quem irá votar na eleição. Pode “induzir os eleitores” a acreditarem que Lula ainda é candidato.

Como em toda censura prévia, pressupõe-se o que o censurado irá dizer. No caso, o Partido Novo imagina que a Folha irá sugerir que o ex-presidente está disputando a eleição.

E, como em toda censura prévia, também se pressupõe o efeito futuro, sobre o leitor, daquilo seria publicado.

“Eventual rede de desinformação”, diz o Partido Novo, teria “evidente potencial de interferir na vontade do eleitor, na legitimidade do pleito –afrontando o princípio republicano”.

No âmbito da Justiça Eleitoral, trechos da propaganda do PT foram suspensos. Para o Partido Novo, o mesmo deveria ser aplicado a uma matéria jornalística.

Encaminhado ao presidente do Supremo, o recurso do Partido Novo terminou sendo julgado pelo vice-presidente do tribunal, Luiz Fux.

Sua decisão, tomada no dia 28, foi brevíssima. O eleitor precisa ser protegido de “informações falsas ou imprecisas”, disse ele. “A confusão do eleitorado faz com que o voto deixe de ser uma sinalização confiável das preferências da sociedade.”

Novamente, a censura prévia se fundamenta em suposições. A entrevista, para Fux, traria um “risco”, o da “desinformação na véspera do sufrágio”, “sugerindo” que Lula estava se apresentando como candidato.
Veio novo recurso, e Ricardo Lewandowski reafirmou sua autorização para a entrevista. O Partido Novo não teria legitimidade para abrir uma reclamação contra uma liminar dele; só o Ministério Público ou “pessoas jurídicas de direito público” poderiam fazer isso, e um partido é pessoa jurídica de direito privado.

Além disso, nenhum ministro pode cassar a liminar de um colega. Se Fux acha que aquilo foi liminar, não poderia contestá-la.

E, se pudesse, ainda assim não poderia. Fux tomou o lugar do presidente do STF, Dias Toffoli, nessa decisão. Isso só seria possível se Toffoli estivesse fora do país.

Só que, pior ainda, minha decisão não era liminar, disse Lewandowski. A atitude de Fux foi “esdrúxula”, continuou ele, reafirmando a autorização para a entrevista.

Dias Toffoli, que estava fora de Brasília quando Fux determinou a proibição, respaldou sua decisão na segunda-feira. Agora, só o plenário –quando Toffoli quiser.

Entenda o vaivém a respeito do pedido de entrevista com o ex-presidente Lula

O pedido da Folha
No último dia 26, o jornal apresenta reclamação ao STF contra decisão da juíza Carolina Moura Lebbos, da 12ª Vara Federal em Curitiba, responsável pela execução da pena de Lula, que proibiu, em 30/8, o ex-presidente de dar entrevista

Folha sustentou que Lebbos se baseou apenas na legislação da execução penal, sem levar em conta a garantia constitucional da liberdade de imprensa

Tal decisão, para o jornal, contrariou entendimento do STF no julgamento da ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) 130 que garantiu a plena liberdade de imprensa

Os argumentos da juíza de Curitiba
Lebbos considerou que não há previsão constitucional ou legal que dê ao preso o direito de conceder entrevista

“Nos termos previstos no artigo 41, XV, da Lei de Execução Penal, o contato do preso com o mundo exterior se dá ‘por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes'”

A decisão de Lewandowski
No dia 28, o ministro Ricardo Lewandowski autorizou que Lula desse entrevista à Folha
Lewandowski analisou os dois aspectos da discussão: a liberdade de imprensa e a Lei de Execução Penal

Quanto à liberdade de imprensa, Lewandowski entendeu que Lebbos contrariou o julgamento da ADPF 130, que garantiu “a ‘plena’ liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia”

“O STF, em inúmeros precedentes, mesmo antes do julgamento da ADPF 130, já garantiu o direito de pessoas custodiadas pelo Estado, nacionais e estrangeiros, de concederem entrevistas a veículos de imprensa, sendo considerado tal ato como uma das formas do exercício da autodefesa”

Quanto à Lei de Execuções, o ministro assinalou que o contato do preso com o mundo exterior pode ser por carta, leitura e outros meios que não comprometam a moral e os bons costumes

Precedentes citados por Lewandowski
“Ressalto, ainda, que não raro, diversos meios de comunicação entrevistam presos por todo o país, sem que isso acarrete problemas maiores ao sistema carcerário, das quais cito algumas: ex-Senador, Luiz Estevão, concedeu entrevista ao “SBT Repórter” em 28/5/2017; Suzane Von Richthofen concedeu entrevista ao programa “Fantástico” da TV Globo em abril de 2006; Luiz Fernando da Costa |5| (Fernandinho Beira-Mar) concedeu entrevista ao “Conexão Repórter” do SBT em 28/8/2016; Márcio dos Santos Nepomuceno (Marcinho VP) concedeu entrevista ao “Domingo Espetacular” da TV Record em 8/4/2018; Gloria Trevi concedeu entrevista ao “Fantástico” da TV Globo em 4/11/2001, entre outros inúmeros e notórios precedentes”

Os argumentos de Fux
Vice-presidente do STF, o ministro Luiz Fux |8| suspendeu, no dia 28, a decisão de Lewandowski. Ele julgou um pedido feito pelo partido Novo, que alegou que o PT tem apresentado Lula como candidato, o que desinforma os eleitores

O ministro também censurou a divulgação da entrevista, caso ela já tivesse sido realizada, sob pena de crime de desobediência

Fux se ateve ao aspecto da liberdade de expressão. Para ele, a interpretação que Lewandowski deu ao julgamento da ADPF 130 expandiu a liberdade de imprensa “a um patamar absoluto incompatível com a multiplicidade de vetores fundamentais estabelecidos na Constituição”

Novo pedido da Folha
A Folha requereu no domingo (30) a Lewandowski o imediato cumprimento da decisão tomada pelo magistrado autorizando a realização da entrevista. Na petição, os advogados do jornal a argumentam que a decisão de Fux configura “inaceitável e surpreendente ato de censura prévia que a Constituição proíbe”. “É manifestamente ilegal. Não pode prevalecer.”

O requerimento ainda destaca que não caberia pedido de suspensão da decisão de Lewandowski, conforme ajuizado pelo Partido Novo, pois a reclamação original apresentada pela Folha teve o mérito julgado monocraticamente pelo ministro.

Nova decisão a favor da entrevista
Na segunda, Lewandowski determinou o cumprimento da decisão tomada por ele na sexta (28) a favor da entrevista. Segundo o ministro, a liminar de Fux “não possui forma ou figura jurídica admissível no direito vigente”.

A decisão de Toffoli
Após as decisões conflitantes de Lewandowski e Fux, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, responsável pela Polícia Federal, consultou o presidente do STF, Dias Toffoli, sobre qual ordem deveria seguir: autorizar ou não a entrada da reportagem na carceragem da PF em Curitiba

Toffoli deu um breve despacho na segunda-feira (1º) validando a decisão de Fux até uma decisão posterior do plenário. Toffoli não analisou os aspectos jurídicos em questão. O julgamento em plenário deve ocorrer somente após o segundo turno das eleições.

Repercussão
O ministro Marco Aurélio, do STF, disse que um juiz que cassa a decisão de um colega do mesmo nível hierárquico promove uma “autofagia inimaginável” que atenta contra a organicidade do direito e traz descrédito para a instituição.

Para Gilmar Mendes, o caso está, por ora, superado. “A gente não acende o fósforo para ver se tem gasolina”, disse. Pivô da crise, Fux afirmou que juízes devem levar em conta os anseios da sociedade na hora de decidir, e, para isso, não precisam de pesquisa de opinião.