O GLOBO

Marcello Corrêa e Geralda Doca

O presidente do Senado e do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM-AP), decidiu cancelar a sessão conjunta que analisaria vetos presidenciais nesta quarta-feira. O motivo foi o impasse em torno da prorrogação da desoneração da folha, aprovada pelo Legislativo e vetada pelo presidente Jair Bolsonaro em julho.

Em comunicado, Alcolumbre cita a “inexistência de entendimento suficiente por parte das lideranças do Congresso Nacional sobre as matérias a serem deliberadas”. Estavam na pauta o pacote anticrime e os vetos do presidente ao Marco do Saneamento, além da prorrogação da desoneração da folha de pagamento.

Também foi mencionada a falta de quórum mínimo para que o tema seja apreciado por deputados e senadores. Ainda não há data para a realização de uma nova sessão do Congresso.

Parlamentares, no entanto, afirmam que o problema foi a falta de apoio para aprovar o veto do governo à desoneração. A disputa para a presidência da Comissão Mista de Orçamento (CMO) também contribuiu para o adiamento.

A decisão foi tomada em cima da hora. Alcolumbre esperou até o último momento por um acordo entre governo e Congresso, mas o entendimento não foi alcançado.

Empresas vem risco a empregos
A desoneração da folha hoje beneficia 17 setores intensivos em mão de obra, que empregam, juntos, 6 milhões de trabalhadores.

Esses segmentos têm direito a trocar a contribuição de 20% sobre salários por uma alíquota de até 4,5% sobre o faturamento.

Pela legislação atual, esse benefício só tem validade até dezembro. Por causa da crise do coronavírus, o Congresso prorrogou o regime especial para até dezembro de 2021. Mas a medida foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Como a palavra final sobre vetos é do Legislativo, governo e Congresso buscam um acordo para solucionar o impasse.

Para Câmara, medida é constitucional
Inicialmente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, acenou com a possibilidade de propor uma desoneração ampla de salários para todos os setores. Mas, para isso, afirma que é preciso criar um imposto sobre transações, que compensaria a perda de arrecadação.

A ideia não tem apoio no Congresso. Na segunda-feira, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), anunciou que a medida não seria encaminhada, por falta de acordo com as lideranças.

Nas últimas semanas, tem sido discutida a possibilidade de que o veto seja derrubado por meio de uma negociação entre Executivo e Legislativo.

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Mas integrantes do governo alegam que a medida poderia ser inconstitucional, por causa de um artigo inserido na Constituição pela reforma da Previdência.

Um parecer da Câmara dos Deputados, no entanto, descartou essa possibilidade. De acordo com o documento, o dispositivo criado pela reforma proíbe apenas a criação de novos benefícios como a desoneração, mas não a prorrogação de regimes especiais, como é o caso da medida aprovada pelo Congresso.

‘Houve orientação do governo’, diz senador
O senador Major Olímpio (PSL-SP), disse que houve orientação da liderança do governo na Câmara dos Deputados para que os parlamentares não marcassem presença na sessão que apreciaria os vetos presidenciais. A votação começaria pela Casa na parte da manhã e à tarde, no Senado.  Ele afirmou também que desde de ontem já havia ação deliberada pelo governo para evitar a realização da sessão.

Isso porque não se buscou um acordo sobre o primeiro item da pauta que tratava do pacote anticrime. Há divergências entre partidos do governo e da oposição. Sem consenso, a discussões em torno dessa matéria poderiam se prolongar por horas sem resultado efetivo.  

— Como o governo não tem uma proposta concreta para a desoneração da folha, vai empurrando com a barriga para ver se o problema desaparece, o que não vai acontecer. Isso é horrível para a sociedade, para as empresas que não têm como se planejar para 2021 — disse Olímpio.

Ele contou também que  o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO) tinha dado a palavra que a estratégia seria  derrubar o veto à prorrogação da desoneração da folha e ao mesmo tempo, incluir na Constituição respaldo legal para a medida até dezembro de 2021.

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Saneamento também travou votação
O deputado Marcelo Ramos (PL-AM) disse que não faltou quórum para a realização da sessão do Congresso que apreciaria os vetos presidenciais.

— Não faltou quórum. O que faltou foi voto do governo para manter o veto da desoneração e da lei do saneamento — disse o parlamentar em uma gravação de vídeo.

Segundo ele, havia quórum necessário para instalação da sessão do Congresso às 10h e que haveria também para dar início às deliberações, quando os trabalhos foram cancelados.

— É triste que esses interesses se sobreponham à necessidade de dar segurança jurídica e previsibilidade para os 17 setores que mais empregam no país. Já passou da hora de enfrentar esse tema de forma democrática, levando a voto e derrubando esse veto para manter os empregos de milhões de brasileiros — destacou Ramos.

O cancelamento da sessão também foi criticado pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC). Ela usou a rede social para dizer que o problema não foi falta de quórum, mas de voto:

— Falta de apoio mudou de nome e virou “falta de quórum”. Governo não fala a verdade quando diz que suspendeu a sessão do Congresso por falta de quórum. Eles suspenderam porque não têm voto para manter o veto da desoneração. Vamos derrubar esse veto e ajudaremos a garantir empregos — emendou a deputada.