O GLOBO – 19/03/2020

Editorial

Atividade que reúne mais de 300 mil empresas e emprega 1,9 milhão no país não pode ser abandonada.

A cultura já sente o impacto das medidas de contingência para conter o avanço do coronavírus no país. Nas duas maiores cidades brasileiras, São Paulo e Rio, o setor entrou numa espécie de quarentena que, na prática, não tem prazo para acabar, à medida que a retomada das atividades depende de como evoluirá a epidemia.

Na sexta-feira, o governador do Rio, Wilson Witzel, determinou o fechamento de cinemas, teatros e casas de shows. O governador de São Paulo, João Doria, tomou decisão parecida, fechando equipamentos culturais do estado e recomendando que cinemas e teatros fizessem o mesmo. Ontem, Doria vetou também o funcionamento de shoppings na Grande São Paulo, o que, indiretamente, afeta as salas de exibição. Eventos também estão sendo cancelados. O Lollapalooza, que seria realizado em abril, em São Paulo, foi remarcado para dezembro.

Evidentemente, as medidas são importantes para evitar aglomerações. Sabe-se que parcela do público de cultura é formada por idosos, um dos grupos de risco para o novo coronavírus.

Mas há que se pensar na sobrevivência de um setor que, segundo o Sistema de Informações e Indicadores Culturais (SIIC), emprega 1,9 milhão de pessoas em 325 mil empresas ou organizações no país. E é fortemente marcadopelainformalidade—entre2014 e 2018 o percentual de trabalhadores com carteira caiu de 45% para 34,6%.

O secretário de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, Sérgio Sá Leitão, estima em R$ 34,5 bilhões as perdas da área. Espera-se para hoje o anúncio de medidas que contemplem esse setor que representa 3,9% do PIB do estado.

O pesquisador da FGV Projetos Luiz Gustavo Barbosa diz que a cultura precisará de ajuda do governo para enfrentar os planos de contingência do coronavírus e se reerguer. Para ele, são necessárias soluções específicas, além das medidas genéricas anunciadas na segunda-feira pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Barbosa cita, por exemplo, linhas de crédito e incentivos fiscais a empresas e produtores culturais.

Certamente,osetorculturalnãoserá o único a sofrer os devastadores efeitos do coronavírus. Todos perderão, de uma forma ou de outra. Mas não se pode deixar que vire pó atividade tão importante para a sociedade, e não apenas isso, que gera empregos e renda, tendo impacto relevante na economia de estados como São Paulo e Rio de Janeiro. Uma hora a tormenta vai passar, mas é preciso que se sobreviva até lá.