FOLHA DE S.PAULO – 24/01/2019
Roberto Dias
Vem da Austrália a mais incisiva ação para enfrentar a caixa-preta dos gigantes de tecnologia.
Uma nova lei obriga as empresas a criarem caminhos para que, numa investigação, os agentes públicos possam driblar a criptografia da comunicação em celulares.
Os australianos tiveram a coragem que tem faltado ao poder público de tantos países, um deles o Brasil.
Quando a proposta de legislação começou a tramitar, a Apple tentou barrá-la com uma nota técnica. “Criptografia é matemática pura, qualquer modelo que enfraqueça a matemática enfraquece a proteção.”
A esse argumento, o então primeiro-ministro australiano, Malcolm Turnbull, respondeu: “As leis da matemática são muito louváveis, mas a única lei que se aplica na Austrália é a lei da Austrália”.
A norma recém-aprovada vale apenas para o país de 25 milhões de habitantes, obviamente, mas tem implicações globais pela natureza do mercado de tecnologia.
Por aqui, estamos várias casas atrás. Usar o Código de Defesa do Consumidor para atacar alguns dos problemas, como estuda o Ministério da Justiça, pode ser um começo. No pior cenário, já é melhor do que a omissão do TSE durante uma campanha eleitoral com fake news voando por todos os lados.
Fora isso, a coisa tem andado a reboque dos ventos soprados pelas empresas. A discussão atual gira em torno da decisão do WhatsApp de limitar o encaminhamento de mensagens a cinco destinatários. Trata-se de não mais do que um soluço. Como de costume, o Facebook, dono do aplicativo, mostra-se disposto a qualquer discussão que lhe permita ganhar tempo, sem mexer no coração do modelo do negócio —que é onde mora o problema.
O WhatsApp nega que possa dizer à Justiça quem circulou determinada informação, mas a conversa não avança para saber o que é preciso mudar para chegar a isso. E, como mostram os australianos, o buraco é bem mais embaixo.