O GLOBO – 18/05/2020 

Com a perda de leitores para o universo digital, bancas de jornais e revistas diversificam a oferta de produtos.

Crise econômica, mudanças dos padrões de consumo e efeitos da pandemia da covid-19 sobre as formas convencionais de interação com o público são motivos que não faltam a empresas de todos os portes para colocar em pauta a busca de estratégicas que permitam atravessar as dificuldades do presente e seguir em atividade no futuro.

Uma das alternativas tem sido a diversificação dos negócios, com a otimização do potencial que o relacionamento consolidado com os consumidores oferece para a oferta de novos produtos e serviços, aproveitando o mesmo espaço ocupado pela atividade original e valendo-se da tecnologia digital.

As bancas de jornais e revistas, atingidas em cheio pela migração da leitura para os meios digitais (segundo pesquisa do Valor Econômico de 2019, 77% dos brasileiros leem notícias pelo celular) e também afetadas pela retração da economia e as medidas restritivas contra o coronavírus, são um exemplo de segmento que está adotando o artifício da diversificação para sobreviver.

De 2014 a 2019, a circulação das edições impressas dos dez maiores jornais brasileiros, monitorada pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC), caiu para a metade, ao passo que a venda das assinaturas digitais quase dobrou. A saída dos jornaleiros para sobreviver ao fenômeno – que atinge também as revistas – tem sido agregar novos produtos ao negócio.

O jornaleiro Felipe Augusto Calabre está entre os que inovaram. Na sua banca, que fica na Rua das Laranjeiras, perto do Largo do Machado, a procura por jornais e revistas caiu em quase 80% desde 2013, quando ele assumiu o ponto.

A proposta iniciada em 2015 foi diversificar o portfólio de produtos, que já ultrapassa 300 itens, comercializados sobretudo via internet, por meio de um aplicativo de delivery de comidas e bebidas. “A banca não vive mais de jornais e revistas”, afirma.

Acessórios para telefone móvel, produtos de tabacaria, cervejas nacionais e importadas, alimentos industrializados, jogos de cartas e artigos esotéricos compõem o leque de produtos que dividem com as publicações impressas os dez metros quadrados da banca e respondem por mais de 80% do faturamento de cerca de R$ 1,4 mil por dia. Com o isolamento social, grande parte da receita vem das mais de 40 vendas diárias feitas via aplicativo para clientes da Zona Sul, Centro e de bairros como Tijuca e Maracanã. A banca também vende por telefone e WhatsApp.

Para atender à demanda online e não perder pedidos por falta de mercadoria, Felipe investiu cerca de R$ 20 mil no estoque de produtos. Na falta de lugar para armazenar tudo na banca, ele criou um espaço de apoio em casa, no bairro de Santa Teresa. “Por conta do grande número de itens, a gestão das entradas e saídas de mercadorias é vital para manter o ritmo do negócio”, acrescenta o jornaleiro. A banca fica aberta 24 horas e tem toda a rotina de funcionamento automatizada, incluindo estoque, controle de caixa e fluxo financeiro.

EMPRÉSTIMO

O jornaleiro Robson Bessada Reis, que tem uma banca perto do Campo de São Bento, em Icaraí, Niterói, há cinco anos, trilhou o mesmo caminho da diversificação. Após ter superado revezes no início da crise econômica, em 2016, e perdas decorrentes de furtos de produtos de tabacaria, ele voltou a ver o negócio encolher com a pandemia e decidiu reforçar a oferta de outros produtos, antes oferecidos em pequena escala na banca. Sem capital, conseguiu R$ 1,5 mil emprestados e, em março, começou a formar estoque de grande variedade de produtos, sempre investindo o lucro na aquisição de novas mercadorias.

Com vendas também impulsionadas pela adesão a um aplicativo de delivery, a Banca Bessada possui mais de mil itens, entre cervejas especiais, vinhos, doces refinados, azeites importados e laticínios mineiros. “As coisas começaram a acontecer, devido ao coronavírus, e estamos crescendo. Não imaginávamos a quantidade de entregas”, comemora Robson, que mantém a banca aberta por 24 horas com a ajuda do filho e de uma colaboradora.

Por dia, eles atendem em torno de 100 pedidos online. Como na banca de Laranjeiras, os jornais e revistas deixaram de ser o negócio principal e passaram a segundo plano. O faturamento mensal dos Bessada chega a R$ 120 mil.