FOLHA DE S.PAULO 

Teté Ribeiro

“Trabalhar na Folha era meu sonho no final dos anos 1980”, lembra Erika Palomino, autora da coluna Noite Ilustrada, que existiu de 1992 a 2005, e hoje diretora do Centro Cultural São Paulo.

Em 1988, ela se mudou para São Paulo vinda do Rio de Janeiro, onde nasceu e foi criada. Tinha 20 anos, dois filhos pequenos (um de dois anos e um recém-nascido) e uma passagem de poucos meses na faculdade de jornalismo.

“Mas tinha uma formação cultural consistente vinda de casa. Estudei literatura, arte, cinema, fiz teatro, 15 anos de dança e escrevia poesia. Também gostava de ler regras de gramática, de alguma forma eu sempre soube que iria me relacionar com a palavra”, conta.

O caminho foi inusitado. Um dia, ela leu um anúncio no jornal chamando candidatos a uma vaga de secretário gráfico, com um único requisito, “domínio da língua portuguesa”. “Pensei: opa, isso eu tenho”.

Inscreveu-se e fez uma entrevista por escrito e uma pessoalmente com o então secretário de Redação Leão Serva.

Não passou no teste, mas recebeu uma ligação do jornal perguntando se ela se interessava por uma vaga nos cadernos Cidades (hoje Cotidiano) ou Ilustrada quando aparecesse uma.

“Disse sim na hora”, lembra. Um mês depois surgiu uma cobertura de férias na Ilustrada, Erika foi chamada para um novo teste e mais uma entrevista. Dessa vez, foi escolhida e trabalharia no caderno cultural da Folha pelos 17 anos seguintes.

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Erika Palomino

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Começou logo a fazer reportagens e entrevistas sobre dança, assunto que, segundo ela, conhecia mais do que qualquer outro repórter do caderno. Aos poucos, foi migrando para a crítica.

“Comecei também a fazer textos sobre moda, cobrindo lançamentos nos showrooms e aberturas de loja”, conta. Em 1990, quando os filhos já tinham crescido um pouco, passou a frequentar a noite de São Paulo e percebeu a potência da cultura jovem da época.

“A era yuppie, do dinheiro, dos anos 80, estava sendo substituída por uma coisa mais underground, dos clubbers”, diz. “Tudo aquilo era diferente para mim, que, além de ser de outra cidade, fui mãe muito jovem.”

Observando a noite, notou que as pessoas se vestiam de maneiras ousadas para dançar e que falavam de um jeito diferente, além de haver uma série de regras —algumas ditas, outras não. Também se deu conta de que tudo passava pela liberação sexual.

“Passei a fazer matérias sobre esse universo, e os textos despertaram muito interesse dos leitores e das pessoas dentro do jornal.”

O repórter e crítico de teatro Nelson de Sá mostrou para a então editora da Ilustrada, Maria Ercília, a coluna de Michael Musto no Village Voice, semanário nova-iorquino que tratava da noite e da comunidade gay/underground. “Ela sugeriu ampliarmos essas pautas que eu fazia para uma cobertura sistemática, semanal, na Ilustrada”, conta.

Era 1992, e nascia a coluna Noite Ilustrada, inicialmente um “quadrado” dentro da seção Acontece, hoje extinta, com circulação na Grande São Paulo.

Havia um projeto gráfico próprio, e a ideia era publicar fotos feitas pelos próprios frequentadores, em câmeras descartáveis (não havia câmeras digitais ainda, muito menos celular). “Era para ter intencionalmente uma pegada ‘doméstica’ e eu usava todas as gírias que se falavam na noite, com certa displicência natural, para que os leitores entendessem no contexto o que eu estava falando”, lembra.

Erika concorda que muitas vezes o resultado era incompreensível, “mas isso só trazia mais charme e mais curiosidade: quem eram aquelas pessoas, que não eram nem ricas nem famosas nem ‘descoladas’ como as que apareciam na coluna da Joyce Pascowitch? Eram drag queens, gays, gente tatuada, estilistas desconhecidos, pessoas soltas em geral, que tinham como denominador o desprezo pela burguesia e pelo statu quo; o fato de gostarem de um novo estilo de música (a house music e o emergente tecno) e irem a clubes noturnos. O underground chegava à grande mídia.”

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Noite Ilustrada

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Em 1994, Alcino Leite Neto se tornou editor da Ilustrada, e a coluna ganhou dois repórteres, Eva Joory e Guto Barra, e uma fotógrafa, Claudia Guimarães, além de passar a ter circulação nacional. “Virou um fenômeno, unindo pessoas pelo Brasil afora, que deixaram de se sentir esquisitas e diferentes, e passaram a ser uma comunidade”.

Erika conta que sempre trabalhou com liberdade, não tinha nada que “não podia”. Costumava se reportar diretamente aos editores do caderno, mas a sua coluna, como todas as do jornal, era submetida à Secretaria de Redação.

“Sempre tive carta branca para fazer todas as inovações editoriais nas áreas em que atuava e de certa forma achava que cabia a mim colocar o pé no acelerador para fazer tudo aquilo.”

Em 2001, lançou um site e a velocidade do online a atraiu. “A internet trazia frescor e possibilidades. Quando percebi, estava competindo comigo mesma. Ao mesmo tempo, o mercado de moda me pedia para fazer uma revista”, diz.

“Senti que era o momento de sair para abrir minha própria produtora de conteúdo e fazer as coisas mais do meu jeito. E, de certa forma, recuperar o ambiente estimulante e de criatividade dos meus primeiros tempos na Redação.”

Depois de se preparar psicologicamente por cerca de dois anos para ter certeza de que tomaria a decisão certa, pediu demissão em agosto de 2005. Foi o fim da coluna. “Quis sair deixando saudade”.

ERIKA PALOMINO, 52
Nascida no Rio de Janeiro em novembro de 1967, começou a trabalhar na Folha em 1988. Passou a assinar em 1992 a coluna Noite Ilustrada, que tinha a noite paulistana e a moda como os temas principais. A coluna durou até 2005, quando a jornalista deixou a Folha. É autora dos livros “Babado Forte – Moda, Música e Noite” e “Folha Explica a Moda”.