FOLHA DE S.PAULO – 17/04/2019
Editorial
A instalação do inquérito já foi anômala. Ocorreu pela vontade do presidente do Supremo, valendo-se de interpretação elástica de suas prerrogativas. Dias Toffoli também contornou o expediente ordinário do sorteio do relator e pôs Moraes a chefiar as investigações.
Criou-se um monstrengo no qual um juiz acumula os papéis de alvo potencial do crime, condutor da ação policial e árbitro final da causa. Esse novelo se harmoniza mal com o devido processo legal.
Moraes ativou seus superpoderes e mandou retirar do ar reportagens dos sites O Antagonista e Crusoé que mencionavam um fato ocorrido sob as investigações da Lava Jato. Trata-se de menção do delator Marcelo Odebrecht a Dias Toffoli. Nada, porém, que possa incriminar o presidente do Supremo.
A justificativa de Moraes foi estrambótica em dois aspectos: atropelou a farta jurisprudência da corte a favor da liberdade de expressão e imprensa e tratou como falso um documento que era autêntico.
Atitudes controversas ordenadas por Moraes continuaram nesta terça (16) com intervenções policiais a pretexto de alvejar suspeitos de ameaçar ministros. O que se viu nos elementos levantados, no entanto, ainda não se distingue com nitidez do direito de criticar autoridades e instituições.
Insultos são detestáveis, mas não configuram necessariamente crime. Quanto mais poder e publicidade envolverem uma autoridade, maior deve ser a tolerância com vitupérios disparados contra ela por cidadãos. Essa é a boa doutrina das democracias, cultivada no STF.
A invectiva de um ministro do tribunal num terreno tão valorizado pelos democratas ensejou, naturalmente, grande reação contrária. A procuradora-geral, Raquel Dodge, disse que arquivaria o inquérito que nem preside, também numa manifestação heterodoxa.
Não há dúvida de que grupelhos truculentos alimentam um ódio insidioso contra o Supremo. Não há dúvida de que procuradores da Lava Jato com frequência extrapolam de suas atribuições e fazem jogo subterrâneo contra magistrados.
Mas a perseguição ao que for delituoso nesses comportamentos precisa ocorrer dentro das garantias da Carta —sob pena de não se distinguirem mais caçadores de caçados na selva do autoritarismo.