Representantes de entidades ligadas à radiodifusão nacional e internacional defenderam nesta segunda-feira (2), em Paris (França), regras de regulação simétricas às das empresas jornalísticas. A reivindicação foi feita durante o 1º Seminário Franco-Brasileiro de Rádio e Televisão, promovido pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (ABERT), com o apoio da Embaixada Brasileira em Paris e da Associação Internacional de Radiodifusão (AIR). Participaram do encontro mais de 60 empresários de rádio e TV, representantes de associações estaduais de radiodifusão, autoridades políticas e renomadas personalidades do Brasil e da França.

 

O evento debateu a competição na indústria de mídia e a necessidade de regras simétricas no enquadramento legal das gigantes de tecnologia que atuam como veículos de comunicação no setor de produção e distribuição de conteúdo, a responsabilização das plataformas digitais pela divulgação de notícias falsas na Internet e as regras que regulamentam os serviços digitais, e os impactos da Inteligência Artificial no jornalismo profissional.

 

Ao dar as boas-vindas, o presidente da ABERT, Flávio Lara Resende, destacou que as big techs atuam como empresas profissionais de mídia, concorrendo com as emissoras de radiodifusão pelo mercado publicitário, de forma direta e sem qualquer regulamentação. “É preciso que as empresas de tecnologia, as plataformas digitais que exercem grande influência sobre o conteúdo midiático, tenham regras mais simétricas em relação ao setor de mídia”, disse Lara Resende.

 

O conselheiro da ABERT e presidente da Associação Internacional de Radiodifusão (AIR), Paulo Tonet Camargo, ressaltou a necessidade de uma legislação sobre plataformas e novas tecnologias digitais em defesa da liberdade de expressão e democracia. Para Tonet, “a liberdade é uma face da mesma moeda da responsabilidade e neste país que funda a liberdade do mundo moderno, “liberté, égalité,fraternité”, este é um lema que nós, jornalistas, que nós, empresários de radiodifusão, levamos mundo afora”.

 

Já o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, presente no encontro, destacou a retomada do julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet, na quarta-feira, pelo Supremo Tribunal Federal. “Que nós cheguemos a algum consenso e que tenhamos regras mais ou menos duradouras até que o Congresso se debruce sobre o tema novamente. Porque nós tivemos uma dificuldade, como sabem, o Senado aprovou um projeto que depois ficou parado na Câmara e é preciso que isso seja retomado em termos legislativos”, afirmou.

 

Mercado justo e equilibrado

 

O painel sobre “O novo cenário de competição da indústria de mídia: assimetrias, marco regulatório das big techs e outras iniciativas” foi mediado por Tonet e teve a participação da secretária geral adjunta da France Télévisions, Livia Saurin, do diretor geral da RMC/BFM, Benoit Tournebize, e da conselheira da Agência Nacional de Telecomunicações do Brasil (Anatel), Cristiana Camarate. Em abril, as empresas de mídia francesas moveram um processo contra a Meta por práticas comerciais desleais no mercado de publicidade digital. Embora alegando não poder dar detalhes, os debatedores franceses, que demandaram o processo, disseram que é necessário definir direitos, que as plataformas não são inimigas e que o compartilhamento dos valores do mercado publicitário deve ser justo e equilibrado.

Para Camarate, “a competição está relacionada à atenção. Não é mais uma discussão de quem está pagando o serviço porque todos os cidadãos estão pagando com seu tempo”, afirmou. De acordo com Saurin, as novas utilizações da mídia tradicional estão relacionadas à tecnologia e, também, ao comportamento dos telespectadores. “As mídias tradicionais conseguiram e conseguem se manter pela potência do conteúdo oferecido, de qualidade, de investigações, informação e criação”, afirmou.

Modelo de negócio e lógica perversa

 

Palestrante do painel sobre os desafios da liberdade de expressão na economia digital, o ministro Gilmar Mendes ressaltou que “a desagregação política no discurso online não é um efeito colateral da atuação das plataformas, mas sim um elemento crítico dos seus modelos de negócios”. Segundo ele, “os algoritmos das redes sociais, em seu processo de otimização para maximização do engajamento, internalizaram uma lógica perversa: conteúdos divisivos e polarizadores são sistematicamente os que mais geram interação entre os usuários. Essa descoberta não é fortuita, mas decorre de uma característica fundamental da psicologia humana que privilegia respostas emocionais intensas a estímulos controvertidos”, afirmou.

Já o debate sobre “Economia digital e desinformação: desafios do jornalismo profissional” foi mediado por Lara Resende e teve a participação do editor-chefe de notícias internacionais do Grupo TF1 LCI, Grégory Philipps, da presidente da France Médias Monde, Marie-Christine Saragosse, e do secretário de Comunicação Social Eletrônica do Ministério das Comunicações, Wilson Wellisch. Saragosse criticou fortemente a Meta e a forma como a gigante de tecnologia atua junto aos veículos de comunicação. “O ministro (Gilmar Mendes) falou de uma fratura na sociedade, quando a informação é mal utilizada. Muitos usam a informação como arma mortal. Temos um conflito aberto em vários países e a arma mais poderosa é a informação em sociedades democráticas que podem ruir. Tudo é feito para marginalizar a mídia, toda utilização opaca dos algoritmos. A Meta faz muito isso”.

Para os painelistas, existe uma grande preocupação sobre como a Inteligência Artificial e as deep fakes podem prejudicar o jornalismo sério e aumentar a desinformação.

 

Identidade nacional

 

Na abertura, o embaixador do Brasil em Paris, Ricardo Neiva Tavares, destacou a Temporada Brasil-França, com as comemorações dos 200 anos de relações bilaterais entre os dois países e a parceria no combate à desinformação. “Este fórum é um espaço para refletirmos sobre os novos desafios da radiodifusão em ambiente midiático profundamente transformado pelas tecnologias digitais, mas no qual a confiança do público permanece ativo fundamental”.

Também na abertura do evento, o ministro das Comunicações, Frederico de Siqueira Filho, lembrou  as semelhanças entre a radiodifusão na França e no Brasil. “Em ambos os países, o setor desempenhou, e ainda desempenha, um papel fundamental na formação da identidade nacional, como importante meio de informação de qualidade, cultura, entretenimento e educação para grande parte da população. A título de exemplo, no Brasil, país com dimensão continental, a radiodifusão contribuiu de forma fundamental para a unificação da nossa língua”, afirmou.

 

Educação midiática 

Na palestra sobre as diretrizes para a governança das plataformas digitais, o diretor da Divisão de Políticas Públicas e Inclusão Digital e Transformação Digital da Unesco, Guilherme Canela, reforçou que a informação é um bem comum em nossas sociedades. “Nós precisamos qualificar a demanda por informação de qualidade. Isso significa educar a todos e todas, políticas de alfabetização midiática, informacional, nós precisamos empoderar a cidadania”.

A palestra de encerramento sobre desinformação e desafios da sociedade moderna teve a participação do sociólogo francês e especialista em Ciências da Comunicação, Dominique Wolton.  Ele criticou a demora de alguns países na conclusão das discussões e adoção de medidas eficazes no combate à desinformação.

Também prestigiaram o encontro em Paris, o diretor geral da ABERT, Cristiano Lobato Flôres, a diretora de Comunicação, Teresa Azevedo, o diretor de Assuntos Legais e Regulatórios, Rodolfo Salema, o conselheiro Vicente Jorge, além dos presidentes das associações estaduais de radiodifusão Luiz Arthur Abi Chedid (AESP), Rodrigo Martinez (AERP), Fábio Bigolin (ACAERT) e José Antonio do Nascimento Brito (MIDIACOMRJ), Ivaldir Peracchi (SERT-PR) e o representante da Rede Vida, Marcelo Monteiro.

Homenagem a Sebastião Salgado

Um vídeo silencioso com as fotografias de Sebastião Salgado, registradas ao longo de sua carreira de mais de 50 anos, lembrou a importância do fotojornalista que dedicou a vida à arte de retratar a alma humana, as belezas da natureza e sua degradação. Natural da cidade mineira de Aimorés, Sebastião Salgado era considerado franco-brasileiro, por ter vivido por mais de 60 anos em Paris, onde morreu em maio, após complicações por uma leucemia causada pela malária, doença contraída durante um de seus projetos fotográficos na Nova Guiné.