Bilionárias e aparelhadas com o que há de mais avançado em tecnologia, como seus poderosos algoritmos, as grandes companhias digitais, entre elas Google, Facebook e Twitter, repetem e potencializam um modelo de negócio do século passado, reduzindo postos de trabalho e as chances de novos empreendedores. A opinião é da autora e especialista em “tecnologia humanista” Kate O’Neill, para quem é preciso responsabilizar as redes sociais que definem o conteúdo mostrado à população por meio da regulação e de um mecanismo capaz de supervisionar o modo como os algoritmos decidem o que aparece para os usuários.

Ao responder sobre regulação, Kate disse ao jornalista Bruno Benevides, em entrevista publicada nesta segunda-feira (15) no jornal Folha de S,Paulo, que é preciso criar um equilíbrio. “Há uma divisão tripla da responsabilidade. Parte dela é interna das empresas. Companhias como Facebook e Google ajudariam muito se assumissem a responsabilidade de alinhar suas práticas com o que é melhor para a humanidade. Além disso, sempre é necessário algum grau de regulação, alguma forma de supervisão da sociedade ou do governo”, afirmou a especialista norte-americana, autora de livros como “Tech Humanist”, no qual defende a associação do avanço tecnológico à preocupação ética com seus efeitos para o ser humano.

Uma possível solução, disse Kate, talvez seja a criação de uma entidade para acompanhar o funcionamento dos algoritmos, entender qual o tipo de influência que eles geram e analisar quais fatores são levados em conta na hora de decidir qual conteúdo será distribuído e qual não será. Isso, segundo ela, é uma discussão que está começando a crescer ao redor do mundo. “Creio que também há uma responsabilidade que recai sobre as pessoas, que precisam desenvolver a capacidade de reconhecer quando algo distribuído não é verdadeiro”, acrescentou.

Kate afirmou a Benevides que as experiências das pessoas serão cada vez mais influenciadas pelos algoritmos e pela automação. “O trabalho precisa ser feito em cada uma dessas esferas: a empresarial, a política e a individual. Não adianta trabalhar em um lado e achar que os outros vão acompanhar”. Ela lembrou que será cada vez mais fácil manipular fotos, vídeos e áudios, além do uso da inteligência artificial para fazer um vídeo em que uma figura pública fala coisas que não falou de verdade. “Então essa capacidade de reconhecer o que é falso precisa aumentar”.

Em relação ao modelo de negócio das gigantes digitais, Kate assinalou que a repetição dos mesmos sistemas dos últimos séculos embalada pela alta tecnologia pode ser desastrosa. “A diferença é que, em uma era com inteligência artificial e automação, é possível conseguir cada vez mais dinheiro e mais eficiência com cada vez menos pessoas envolvidas no processo. Os empresários vão ter mais lucro, mas os seres humanos terão menos empregos, então vão ganhar menos da riqueza gerada”, disse.

Kate, uma das primeiras funcionárias da Netflix e presença constante em palestras no Vale do Silício, conta Benevides, defende a ideia de que o ser humano deve ficar no centro, de que há valor na vida humana e que ela deve ser respeitada. “Há um avanço tecnológico muito grande capitaneado pelas empresas, mas, na verdade, é uma construção coletiva que deve ter como norte ajudar a humanidade”.

É preciso, disse Kate, impedir que a tecnologia resulte em (mais) desigualdade. “Conforme as tecnologias avançam e permitem às empresas ampliarem sua atuação, há uma obrigação ética crescente de alinhar os negócios com as consequências que eles geram para o ser humano, de modo a garantir que não exista uma diferença grande demais entre quem tem acesso e quem não tem”.

A especialista também considera que as pessoas devem tomar mais cuidado com o que compartilham nas redes sociais, para que seus dados não sejam usados para fins políticos. “Sempre que alguém chamar para participar de um meme ou de um jogo, o sinal vermelho deve acender. Foi esse o cenário que a Cambridge Analytica usou para conseguir os dados de 70 milhões de eleitores norte-americanos.”

As empresas, afirmou, “só estão pensando em lucro e crescimento, que é um modo muito limitado de ver a tecnologia. Ela é muito mais poderosa”. Há aí, segundo Kate, uma grande oportunidade. “As empresas podem unir o lucro a uma busca por melhorar a vida humana. Só quando isso acontecer as pessoas vão encarar a tecnologia de outra forma”.

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